21 de junho de 2021

B4 diariodolitoral.com.br Segunda-feira, 21 DE junho DE 2021 AA Apontado por críticos e artistas, nacionais e estran- geiros, como um dos prin- cipais músicos brasileiros da atualidade, Guinga co- memora 71 anos (completa- dos na quinta, 10) como lan- çamento de Zaboio, álbum raro, pois é o primeiro intei- ramente composto por ele. São 11 faixas, apenas com voz e violão, que imprimem a memória afetiva do artis- ta,marcada pela nostalgia de umtempo remoto. “Esse dis- co é umretrato fiel daminha alma”, dizGuinga aoEstadão. E essa memória se distribui entre as faixas - a começar pela que abre o disco, Sábia Negritude, homenagem à Mãe Tainha, cozinheira que lhe provocavamedo quando pequeno e que hoje é reve- renciada por sua sabedoria ancestral. Já em Meu Pai, a segun- da faixa, ele redescobre ima- gens da infância a partir de umbreve perfil da figura pa- terna . Aliás, o verso “Habita- rámeupai a encruza?” reme- te ao cruzamento de quatro ruas da Vila Valqueire, bairro da zona oeste doRio, local vi- sitado por Guinga até hoje, quando se recorda do pai, da infância e adolescência. Em sua lista de homena- gens, o músico presta de- voção ainda a Sérgio Men- des, emTangará, e na canção Casa Francisca faz referên- cia ao famoso espaço musi- cal paulista, conhecido pelos grandes shows lá apresen- tados. Canção que dá nome ao disco, Zaboio remete à sua infância, emJacarepaguá, en- tãouma área rural e onde ele cuidava dos cavalos dos tios. O desgosto com tal função é retratado na letra damúsica. Emseu trabalho ao longo da carreira, Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar (seu verdadeiro nome) sempre buscou o talento de com- positores e o colorido de vo- zes de um time de craques, como Aldir Blanc, Nei Lopes, Chico Buarque e Paulo César Pinheiro, para citar alguns. E suas composições foram parar nos repertórios de Elis Regina, Leila Pinheiro, Mi- chel Legrand, SérgioMendes, Clara Nunes e Ivan Lins, en- tre outros. As canções traduzem sua memória afetiva, algo muito pessoal. O isola- mento social provocado pela pandemia contribuiu de alguma forma para que você fizesse essa viagem interior com mais força e emoção? O isolamento sempre te leva a uma reflexão, sobre conviver mais consigo mes- mo. Sempre fui um cara iso- lado, mais recluso. A minha vida se divide entre a família, amúsica e o esporte. Sempre gostei de praticar esporte. E é assimque vivo atéhoje. Éób- vio que a pandemia te obri- ga, impõe um isolamento, diferente do isolamento op- cional. E muitas vezes a mú- sica me ajudou nesse mo- mento. Não posso dizer que foi mais intenso. Foi uma ro- tina muito parecida com a minha habitual. Talvez uma certa tristeza por esse mo- mento possa transparecer mais emumamúsica ou em outra, mas não posso dizer que foi a pandemia que me fez compor assim. Guinga: ‘O artista precisa voltar a trabalhar. E o Brasil precisa voltar os olhos para os artistas commais respeito e sensibilidade’ DIVULGAÇÃO Guinga festeja seus 71 anos com o lançamento do álbum ‘Zaboio’ MÚSICA. São 11 faixas, apenas com voz e violão, que imprimem a memória afetiva do artista, marcada pela nostalgia de um tempo remoto Você disse, certa vez, que chegou à música gra- ças à sua família, que sempre teve grande sen- sibilidade musical. E isso parece estar bemdelinea- do em faixas como Meu Pai, não? Sim, minha família sem- pre foi altamentemusical. E, por uma ironia, eu era um dos menos musicais des- se grupo. Foi meu tio quem me ensinou a tocar violão, e ele tinha mais jeito que eu. Também cantava mui- to melhor que eu, que era o pior da família (risos). E não sei se melhorei muito nesse aspecto (risos). Todos cantavammaravilhosamen- te bem, meus tios Claudio e Marco Aurélio, minha mãe, Nalda, e minha tia Consue- lo tinham vozes lindas. Meu tio Danilo era um barítono de timbre lindíssimo. Todos exibiamuma formaçãomu- sical muito sólida - e transi- tavam bem entre a seresta e a música americana. Tio Da- nilo, omais velho, eraumafi- Fiz poucas lives. Não tenho muita experiência. Mas foi ummeio de se comunicar e se manifestar. Quando não há remédio, remediado está. Em outro momento, você disse também que já sofreu por não realizar, como artista, algo que te emocionasse profunda- mente. Como foi, então, o processo de criar seu primeiro disco integral- mente com letra e músi- ca suas? Esse disco é algo novo na minha carreira, algo concre- tamente materializado. Mas essa é a maneira como sem- preme relacionei comamú- sica. Nomeu isolamento, na minha solidão, somos ape- nas eu, meu violão e amúsi- ca. (A produtora) Fernanda Vogas, que admira meu tra- balho, idealizou e produziu esse disco. Ela queria muito umdisco 100%Guinga, letra e música. A produtora dela, a Vogas Produções, criou até um selo fonográfico para lançar o Zaboio. Esse disco traduz exatamente isso, é um retrato fiel do que sou, sem retoque, com os defei- tos e as qualidades. Por isso, tenho um apego muito par- ticular por esse disco, que é muito importante naminha vida, um retrato fiel da mi- nha alma. Mônica Salmasopartici- pa de duas faixas do disco - emtermosmusicais, como você observa a fluidez do diálogo entre vocês? O diálogo entre mim e a Mônica é simplesmente o seguinte: ela canta e eu cho- ro (risos). Posso resumir nes- sa frase. Sérgio Mendes é home- nageado na faixa Tangará - o que mais admira na mu- sicalidade dele? SérgioMendes entrou na minha vida com sua incur- são na bossa nova. E, prin- cipalmente, pelo disco Sér- gio Mendes & Bossa Rio, com arranjos de Tom Jobim. É um disco que representa um marco na música ins- trumental brasileira. Uma obra-prima feita há quase 60 anos e que ainda hoje é moderno e lindo. Ouvir este disco produz o mesmo im- pactode anos atrás, de quan- do ouvi nosmeus 15, 16 anos de idade. E eu não sabia que iriame tornar amigodomeu ídolo - foi em 1990, por in- termédio de Ivan Lins, que me colocou no caminho de Sergio Mendes. Desde en- tão, nossa convivência é in- tensa. Sérgio sempre grava minhas composições. Quan- do ele está no Brasil, nossas famílias mantêm contato e, quando vou aos EUA, a gen- te acaba se encontrando. Mi- nha homenagem, com Tan- gará, é ao homem, ao amigo, ao ser humano, ao grande artista. Sérgio Mendes é o grande divulgador da mú- sica brasileira pelo mundo. Umhomemque estabeleceu seu voo. Como diz na músi- ca: “Tangará diz que o tempo passa voando, voando / Que enquanto o tempo passa ele vai cantando, cantando / Tangará, adivinha omeu de- sejo / De andar pelo mundo céu afora / E saber que voar é um lampejo / Criar asas no sonho sertanejo / E alcançar a cidade e ir embora...”. É isso que mais ou menos aconte- ceu comSérgio.Mas ele sem- pre volta! Como foi a experiência de se apresentar em lives, durante a pandemia? Hou- ve algumaprendizadones- sa forma de fazer show? Fiz poucas lives. Não te- nho muita experiência. Mas foi um meio de se comuni- car e se manifestar. Quando não há remédio, remediado está. Ou era a live ou nada. Em 2020, tive a oportunida- de de fazer uma série de lives no Centro Cultural Branco do Brasil, no projeto Guinga e as Vozes Femininas, emho- menagemaosmeus 70anos. Sou muito agradecido às li- ves. Mas é óbvio que amaio- ria dos artistas, durante esse período, ficou semtrabalhar e precisando sobreviver. A necessidade é a volta dos tra- balhos presenciais. A live é umlenitivoartísticoque, por vezes, ajuda na sobrevivên- cia. Mas é algo muito pon- tual. O artista não consegue sobreviver fazendo uma live hoje e outra daqui a quatro meses. Ele precisa voltar a trabalhar. E o Brasil precisa voltar os olhos para os artis- tas commais respeito e sen- sibilidade. Anos atrás, Chico Buar- que declarou: “Qualquer um que se interesse por música brasileira vai pas- sar por Guinga”. Aos 71 anos e festejado por seus pares, nacionais e interna- cionais, que tipo de tran- quilidade isso te traz? Isso me dá a sensação de dever cumprido, de que tenho sido honesto com o dom que recebi da música. E é preciso tratá-la com res- peito, honestidade e paixão. Ela transmite o meu senti- mento, minha relação com a minha família, a relação com tudo que amo. E ou- vir uma frase dessa do Chi- co Buarque, um dos meus grandes ídolos nessa vida, me gera até mais responsa- bilidade. E espero seguir as- simaté o fimda caminhada pela Terra. (EC) cionado do jazz, tinha uma discoteca imensa. Foi por in- termédio dele que tive a en- trada nesse gênero musical. E, de outra parte da família, incluindo meus pais, foram a seresta e as canções no ge- ral. Meupaime apresentou à música clássica, que ele ado- rava assimcomoópera italia- na e grandes compositores clássicos, como Beethoven, Chopin, Bach. Sempre fomos uma família altamente mu- sical - não uma família cul- ta, commuitos estudos, mas com uma imensa musica- lidade. Cultura

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